Juros Abusivos: a armadilha silenciosa que devora o orçamento de 4 em cada 10 brasileiros

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Imagine descobrir que um empréstimo pessoal contratado com ares de “tábua de salvação” cobra 17,5% de juros ao mês, quando a taxa média de mercado não passa de 5,18%. Foi o que aconteceu com uma consumidora fluminense que, diante do sufoco financeiro, buscou a Justiça e conseguiu não só a revisão contratual, como também uma indenização de cinco mil reais por danos morais.

Não se trata de caso isolado. Dados recentes revelam que 38% dos contratos de empréstimo no Brasil carregam taxas abusivas. O número impressiona ainda mais quando lembramos que 77,6% das famílias brasileiras estão endividadas. Ou seja: a cada dez casas, quase oito convivem com a pressão dos boletos, e muitas delas sem saber que pagam mais do que deveriam.

O que diz a lei (e o que ela não tolera)

O Código de Defesa do Consumidor não deixa dúvidas: nenhuma instituição financeira pode impor vantagens manifestamente excessivas. Mas, na prática, como identificar o abuso?

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um critério objetivo: juros que ultrapassam em 1,5 a 2 vezes a média de mercado são considerados abusivos. Foi exatamente essa baliza que fez cair por terra a cobrança de 17,5% quando a média era 5,18% no caso da consumidora fluminense. Uma diferença que não deixava margem para dúvidas.

A enxurrada de promessas fáceis (e seus perigos)

Ao mesmo tempo, em que o consumidor precisa se proteger dos bancos, precisa também abrir os olhos para outro risco: a chamada litigância predatória. Não faltam anúncios em redes sociais, mensagens de WhatsApp e até abordagens na rua prometendo “vitória garantida” e “dinheiro de volta fácil”.

O Judiciário fluminense tem alertado: muitos escritórios ajuízam centenas de ações idênticas, sem qualquer base técnica sólida. O resultado costuma ser frustrante: processos julgados improcedentes, custas processuais pesadas e até condenação em honorários de 10% sobre o valor da causa.

Outra consumidora carioca aprendeu isso na pele. Sua ação contra um grande banco foi julgada improcedente, e ela ainda foi condenada a pagar custas e honorários. O motivo? Sua causa foi patrocinada por um advogado de fora do estado que, segundo o TJRJ, ajuizou “um número expressivo de ações” com “exatamente a mesma causa de pedir”, caracterizando indícios de litigância predatória.

 Quando a Justiça se manifesta (e quando não)

O contraste entre os dois casos é revelador. No primeiro processo (nº 0815864-28.2023.8.19.0004), a decisão foi clara: reconheceu-se a abusividade da taxa, determinou-se a restituição dos valores cobrados em excesso e a indenização pelos danos morais. Uma vitória exemplar, fruto de análise técnica criteriosa e prova documental robusta.

Já no segundo caso (nº 0831899-24.2024.8.19.0038), a argumentação genérica e a falta de especificidade levaram à improcedência. Mais que isso: o juiz fez questão de alertar sobre as práticas predatórias e encaminhou o caso ao Centro de Inteligência do TJRJ para investigação.

Até mesmo o tribunal fez uma ressalva importante: as “calculadoras de internet”, como a do Banco Central, não bastam para aferir o abuso, porque não consideram encargos administrativos e tributos. Ou seja, é preciso análise técnica criteriosa — não atalhos. 

O Judiciário contra os falsos atalhos

Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127 para orientar tribunais a combater práticas de litigância predatória. O TJRJ, por sua vez, já encaminha ao Centro de Inteligência casos suspeitos. Uma demonstração de que o Judiciário não fechará os olhos nem para bancos que abusam, nem para aventureiros que iludem consumidores com falsas promessas.

A diferença entre vitória e derrota está nos detalhes: análise individual versus ação padronizada, prova técnica versus argumentação genérica, advogado especializado versus escritório distante. A primeira consumidora ganhou porque teve assessoria séria. A segunda perdeu porque foi vítima de litigância predatória.

Como não cair na armadilha (dupla)

Desconfie se o advogado promete vitória garantida, não analisa seu contrato individualmente ou tem escritório em outro estado. Desconfie também se sua taxa de juros está muito acima da média de mercado, se as parcelas consomem mais de 30% da sua renda ou se o saldo devedor não diminui mesmo pagando em dia.

O caminho seguro passa por negociação direta com a instituição, portabilidade para bancos com juros menores ou, em último caso, ação judicial bem fundamentada com advogado especializado e local.

O caminho é cautela

Há vitórias possíveis e necessárias, sim. O caso da consumidora fluminense prova isso. Mas não existe mágica. A liberdade financeira verdadeira nasce do conhecimento e da escolha de profissionais sérios — não de promessas fáceis que podem custar caro.

                 O Brasil tem 73 milhões de pessoas endividadas. É muita gente para ficar refém de um sistema que, por vezes, pesa mais do que deveria. Por isso, informação é poder. Desconfie de atalhos, busque orientação transparente e não aceite pagar o que não deve.

Afinal, em tempos de tanto sufoco financeiro, o que mais precisamos é resgatar o direito de respirar — sem cair nas armadilhas de quem promete ar puro, mas entrega apenas mais sufoco.

Por Kênia Quintal – Advogada – Colunista – Procuradora Geral do Município de Carapebus-RJ