Para inaugurarmos nossa coluna sobre segurança pública começaremos informando o que é segurança pública. É muito comum virmos pessoas darem entrevistas, em canais de televisão, podcast, enfim, ver veiculado em qualquer meio midiático, sem e com qualificação acadêmica, se intitulando especialista de segurança pública, escrito em um diploma ou não, mas em qualquer caso, sem experiência alguma na atuação direta em órgão de segurança pública, que é onde se planeja e executa uma ação de segurança.
Segundo a literatura, sobre segurança pública é possível extrair um e tomemos o consenso de que a garantia da liberdade está intrinsecamente condicionada à existência de um patamar mínimo de segurança.
Nosso objetivo na coluna é de informar e analisar questões cotidianas para que possamos fazer uma análise crítica enquanto sociedade e nossa contribuição para o que possivelmente nós mesmos plantamos. Quero dizer, que se as políticas públicas sobre segurança evoluem ou não é termômetro de quem votamos e colocamos como legisladores e gestores, com seus respectivos planos e promessas.
De duas uma, ou temos voltado muito errado ao longo de décadas ou votamos naqueles que prometiam planos adequados, mas mentiram ou falharam em seu planejamento, ou posteriormente na sua execução.
Nossa Constituição da República de 1988, a quem prestamos obediência, apesar de quem deveria dar exemplos, são os primeiros a manipulá-las para atender seus próprios interesses, ao invés do Povo, trata da segurança pública com Direito de Defesa ou Liberdade sem seu artigo 5º, caput, sendo importante transcrevê-la: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”. Logo em seguida vem seus incisos. A segurança pública nessa posição constitucional, deveria garantir o exercício da segurança como defesa contra eventuais arbitrariedades do próprio Estado, mas não contavam quando essas arbitrariedades viessem da cúpula do Judiciário.
Posteriormente, no artigo 6º, prevê que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. A segurança pública nessa posição nos permite cobrar que o Estado fomente e garanta que nossa liberdade possa ser exercida com o fim de usufruirmos de nossos direitos sociais, como poder caminhar sem ser assaltado até à escola, ao trabalhado, nas malhas viárias, exercício do livre comércio, mas não contavam com, mas não contavam com facções criminosas que ousariam sitiar territórios e impor suas próprias regras, à margem das estruturas Estatais, e o pior, com apoio condescendente e irresponsável daqueles primeiros que mencionamos acima, que deveriam ser os primeiros a não serem arbitrários, como ocorreu com a “ADPF das Favelas”, amplamente divulgado na imprensa, como exemplo de de gestão judicial da segurança pública. É evidente que não poderia dar certo. Fazer sem perguntar para quem sabe, só pode ter um resultado que vai em direção ao mais trágico. É como se déssemos a direção de um veículo para quem não é habilitado para tal.
Por fim, a segurança pública, vem prevista no artigo 144, na qual também fazemos questão de transcrever para que todos tenham ciência e dispõe que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:”, logo em seguida vem descrita a estrutura dos órgãos de segurança pública, como a polícia federal, rodoviária federal, polícia militar e dos bombeiros militares, polícia civil, guardas municipais e polícia penal.
O objetivo da estrutura e da previsão em um capítulo específico sobre segurança pública foi para apresentar quem seriam os responsáveis para a execução de garantias das condições dignas de vida à coletividade, e é nesse momento que aparecem dezenas de policiólogos doutores em segurança pública que conhecem o crime pela porta da biblioteca, nunca pelo portão da delegacia. São gênios do diagnóstico… desde que seja no ar‑condicionado, incapazes de compreender a complexidade de uma decisão sob fogo cruzado de fuzis teorizando no conforto do laboratório, sem nunca ter experimentado a difícil tarefa de decidir, em milésimos de segundo, se a mão que mente ou aponta uma arma vai tirar uma vida, inclusive a sua.
Segurança pública não nasce do confronto, mas do que antecede o gatilho, como educação consistente, políticas sociais efetivas, economia que inclui e um sistema de saúde que ampara, porque violência é sempre o sintoma final de políticas públicas que falharam no começo. A polícia, atualmente, tem precisado agir até mesmo para apagar o incêndio provocado pela gestão judicial de segurança pública, a mais nova tragibuticaba brasileira.
Explico: já esperamos que o legislador erre na elaboração de leis porque não pode prever todas as circunstâncias possíveis das relações sociais e de poder, e para melhorarmos seu papel, podemos votar em outros, como também podemos esperar erro em uma gestão pelo executivo, se escolher mal seus secretários e assessores, e para corrigir isso, também podemos votar em outros, mas e quando uma tragédia advém do Judiciário que se aventura em gerir segurança pública? Não podemos escolher outros. Não são eleitos pelo Povo, ainda que os cargos da cúpula, como do STF, tenham sido indicados pelo Presidente, sabatinados pelo Senado Federal. Depois que entram, só saem politicamente também, por meio do impeachment.
Reza a Lei 1.079/50, que trata da dos crimes de responsabilidade, que podem levar um Ministro do STF ao processo de impeachment, no seu artigo 39, “2 proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; 4, ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e 5, proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decôro de suas funções.”
Diante dessa realidade apresentada, o futuro da segurança pública no Brasil se bifurca em dois caminhos possíveis: ou continuamos na trajetória de colapso institucional, onde cada poder age sem coordenação e frequentemente contra os interesses da população, ou construímos uma refundação estrutural que reconheça a segurança pública como resultado sistêmico de políticas integradas. O primeiro caminho é o mais provável, infelizmente. Seguiremos assistindo à escalada da violência enquanto juízes elaboram soltam criminosos na audiência de custódia à torto e à direito, utilizando suas teses mirabolantes sobre segurança sem jamais ter pisado em uma comunidade sitiada por facções, legisladores criam leis penais falhas, à toque de caixa, muito falhas e frágeis, e gestores (em nível Brasil) prometem “tolerância zero”, enquanto cortam orçamento de educação e saúde mental. Esse futuro já está acontecendo. A pergunta não é se chegaremos lá, mas quanto tempo levará até que cada poder reconheça o abandono de suas próprias funções.
O segundo caminho, o da reconstrução, exige algo que o Brasil historicamente não consegue fazer: planejar a longo prazo e executar com rigor técnico. Segurança pública como resultado de políticas públicas significa que, nos próximos dez anos, cada real investido em educação integral em comunidades de risco representa três reais economizados em encarceramento. Significa que cada CAPS construído e equipado em favela representa cinquenta operações policiais violentas que não precisarão acontecer. Significa que cada programa de emprego formal para jovens de periferia representa dez adolescentes que não serão recrutados pelo tráfico. Mas esse caminho exige que gestores públicos aceitem que os resultados não aparecerão no mandato deles, e sim no mandato de quem vier depois. Isso é politicamente inviável no Brasil de hoje, onde reeleição é o horizonte único de planejamento.
A questão mais grave para o futuro da segurança pública não está, porém, no Executivo ou no Legislativo. Está no Judiciário. Quando um juiz de primeiro grau erra, há recurso. Quando um desembargador erra, há recurso. Quando o STF erra ao gerir segurança pública, como na ADPF das Favelas, que proibiu operações policiais em comunidades sem considerar que facções aproveitariam o vácuo para consolidar territórios, não há recurso. Não há recall. Não há voto que corrija. A única correção seria o impeachment, mas o Senado Federal jamais processará um ministro do STF por “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções” enquanto gerir segurança pública for considerado “ativismo judicial progressista” e não o que realmente é: usurpação de competência técnica. O futuro, nesse cenário, é sombrio: um Judiciário que continuará legislando sobre segurança sem accountability, blindado pela vitaliciedade e pela impossibilidade prática de responsabilização política.
Se houver algum avanço, ele virá de baixo para cima, não de cima para baixo. Virá de prefeitos que, cansados de esperar o Estado e a União, implementarem programas locais de segurança integrada, com a guarda municipal, policiamento comunitário, escolas de tempo integral, centros de saúde mental em favelas, programas de emprego para egressos do sistema prisional. Virá de delegados, investigadores e policiais civis e militares que, aproveitando o atual apoio institucional, construírem pontes com comunidades e transformarem a relação entre polícia e população que apoiem e cooperem para desconstrução de narrativas antipolícia, porque em território onde vige uma violência de combate não convencional ou assimétrico, ainda há muito que avançar para a proteção da população, visto que segurança pública não é só polícia, além de se investigar estruturas de lavagem de dinheiro, o que já ocorre no Rio de Janeiro. A polícia já está atuando nas duas frentes. Virá de juízes de primeiro grau que, ao invés de replicar jurisprudência do STJ e STF cegamente, tiverem coragem de aplicar a lei considerando a realidade concreta das ruas. Essas mudanças já acontecem, em escala micro, em algumas cidades brasileiras. O problema é que são exceções heroicas, não política pública replicável.
O futuro mais realista é o da convivência permanente com a violência como característica estrutural da sociedade brasileira. Não haverá “solução” para a segurança pública enquanto o Brasil mantiver o maior coeficiente de Gini das Américas, enquanto deixar 30% da população em pobreza extrema, enquanto oferecer educação pública de qualidade apenas para quem pode pagar escola particular, enquanto tratar saúde mental como luxo e não como direito básico, e enquanto manter um sistema prisional que é universidade do crime. A violência continuará sendo gerida, não resolvida. Facções continuarão controlando territórios. Milícias continuarão cobrando pedágio. Polícia continuará morrendo em confrontos evitáveis. E a classe média continuará votando em políticos que prometem “bandido bom é bandido morto” enquanto seus filhos estudam em escolas protegidas e moram em condomínios fechados, sem nunca experimentar a insegurança real que mata jovens a cada 23 minutos no Brasil.
Mas há uma fresta de esperança, pequena e improvável: a exaustão coletiva. Quando a violência finalmente atingir de forma insuportável até mesmo as classes que hoje se blindam dela, quando empresários não conseguirem mais operar por causa da insegurança, quando o custo econômico da criminalidade superar o custo político de investir em prevenção, talvez, apenas talvez, o Brasil aceite fazer o óbvio. Investir pesadamente em educação, saúde, emprego e habitação nas comunidades mais vulneráveis, além de apoia a polícia, única trincheira que separa a civilização da barbárie. Reformar completamente o sistema prisional para que reabilite ao invés de criminalizar ainda mais. Responsabilizar gestores públicos, incluindo ministros do STF, quando suas decisões produzirem tragédias evitáveis. Isso não é utopia. É o que países que venceram a criminalidade fizeram. Mas levará uma geração inteira para dar resultados. E a pergunta que define nosso futuro é: temos paciência para isso, ou preferiremos continuar acreditando que mais prisões, mais operações policiais e mais leis penais resolverão um problema que nunca foi policial, mas sempre foi social, e que no final, sempre sobra para a polícia?
O futuro da segurança pública será, portanto, o futuro que escolhermos, ou que aceitaremos por omissão. Se continuarmos votando em legisladores que prometem “soluções fáceis, rápidas e milagrosas”, e a toque de caixa, na maioria esmagadora das vezes, reativa, mas cortam verbas de educação, se continuarmos desacreditando e descredibilizando as operações policiais que são apoiadas pela população, que vivem em zona de domínio territorial de narcoterroristas, não investirmos em legislação que acelere as investigações, como as de estrutura de lavagem de dinheiro, se continuarmos aceitando que o Judiciário legisle sobre segurança sem jamais ter gerido uma ocorrência sequer, então nosso futuro já está escrito: mais violência, mais mortes, mais encarceramento de pobre, mais desencarceramento de políticos, mais desigualdade.
Mas se tivermos a coragem de exigir que segurança pública seja tratada como política de Estado, integrada, técnica, baseada em evidências, executada por quem entende, supervisionada por quem tem responsabilidade eleitoral, então ainda há chance de que nossos netos vivam em um país onde não seja necessário colocar grades nas janelas, onde polícia seja vista como aliada e não como inimiga, e onde um jovem de periferia tenha as mesmas chances de um jovem de classe média. Esse futuro é possível. Mas só virá se pararmos de acreditar em especialistas de PowerPoint, não dar eco a jornais que lhes empregam ou lhes dão voz, e que vivem de desinformação, descompromissados com a função social da informação e mais engajado nos lucros que as publicidades lhes rendem, e começarmos a ouvir e deixar agir, quem está, todo dia, na linha de frente da violência que insistimos em não prevenir.
Por Dr. Ruchester Marreiros – Delegado de Polícia – Professor – Escritor – Colunista


