Por Mara Costa
Reduzir de 189 para 75 minutos o tempo que pacientes liberados esperam para sair da UTI. Este é um dos resultados documentados da aplicação do Lean Six Sigma em hospitais brasileiros — uma metodologia nascida no setor industrial que está sendo adaptada para transformar a gestão da saúde pública no país. O método combina eliminação de desperdícios com controle estatístico de qualidade, e vem sendo disseminado em instituições do SUS através do PROADI-SUS, programa do Ministério da Saúde que mobiliza hospitais de excelência para fortalecer o sistema público.
Na linha de frente dessa transformação está Juliana Medeiro, consultora especializada em Lean Six Sigma que atuou em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para levar práticas de gestão de excelência a hospitais públicos. Contratada pelo Einstein no âmbito do PROADI-SUS, sua missão foi implementar a metodologia em diferentes instituições, capacitar equipes e disseminar uma cultura de melhoria contínua baseada em dados.
Da Fábrica para o Hospital: Entendendo a Metodologia
O Lean Six Sigma nasceu da fusão de duas filosofias de gestão desenvolvidas na indústria. O Lean, originado no sistema Toyota de produção, foca na eliminação de desperdícios — tudo aquilo que não agrega valor ao processo. O Six Sigma, criado pela Motorola nos anos 1980, utiliza ferramentas estatísticas para reduzir variabilidade e defeitos a níveis próximos de zero.
Quando aplicada à saúde, a metodologia identifica e ataca problemas como tempo de espera excessivo, duplicação de exames, estoques inadequados de medicamentos, erros de diagnóstico e falhas em procedimentos. O processo segue o ciclo DMAIC: Definir o problema, Medir sua dimensão com dados, Analisar as causas-raiz, Implementar melhorias e Controlar para garantir sustentabilidade.
“A grande diferença é substituir decisões baseadas em intuição por decisões baseadas em evidências”, explica Medeiro. “Mapeamos cada etapa do processo, coletamos dados, identificamos gargalos e testamos soluções de forma estruturada.”
Do Einstein para o SUS: A Ponte da Excelência
O Hospital Israelita Albert Einstein, reconhecido internacionalmente por seus padrões de qualidade [1], participa do PROADI-SUS desde a criação do programa. Através dessa iniciativa, hospitais filantrópicos de excelência desenvolvem projetos de apoio ao SUS em troca de certificação de entidade beneficente.
Foi nesse contexto que Juliana Medeiro atuou como consultora. “Meu papel foi ser uma ponte entre a expertise do Einstein e a realidade dos hospitais públicos. Não se trata de simplesmente replicar processos, mas de adaptar metodologias e padrões de excelência para contextos com recursos e desafios diferentes”, afirma.
A implementação envolve diagnóstico inicial, mapeamento de processos críticos, capacitação de equipes locais e acompanhamento de projetos-piloto. O objetivo é criar capacidade interna para que as instituições possam dar continuidade às melhorias de forma autônoma. É importante destacar que os hospitais públicos não tiveram nenhum custo com o projeto, já que ele foi totalmente financiado pelo Ministério da Saúde.
Resultados Concretos em Hospitais Brasileiros
Um estudo de caso publicado na Revista Brasileira de Enfermagem em 2023 documenta a aplicação do método em uma UTI de hospital paulistano [2]. Pesquisadores Zimmermann e Bohomol acompanharam o processo de melhoria do fluxo de alta de pacientes.
O problema identificado: após a liberação médica, pacientes esperavam em média 189 minutos para serem transferidos da UTI para o quarto. Esse gargalo gerava não apenas desconforto para pacientes e famílias, mas impedia a admissão de novos casos críticos, comprometendo a capacidade de atendimento.
A equipe aplicou o ciclo DMAIC, mapeando cada etapa do processo de alta, desde a decisão médica até a efetiva transferência. Identificaram causas como falhas de comunicação entre setores, falta de padronização e ausência de indicadores de acompanhamento. Após implementação das melhorias, o tempo médio caiu para 75 minutos — redução de 61%.
“A aplicação da metodologia Lean Six Sigma para melhorar o fluxo de alta em uma unidade crítica demonstrou ser eficaz, resultando em redução de tempo e desperdícios”, concluem os autores [2].
Desafios da Implementação
Apesar dos resultados positivos documentados, a implementação enfrenta obstáculos significativos. Medeiro identifica a resistência cultural como o principal desafio. “Hospitais têm processos estabelecidos há anos, profissionais trabalham sob alta pressão e há natural ceticismo em relação a metodologias vindas da indústria. A transformação exige tempo, persistência e, fundamentalmente, apoio da alta liderança.”
Outro desafio é a sustentabilidade das melhorias. Projetos-piloto bem-sucedidos nem sempre se traduzem em mudanças permanentes. “É preciso institucionalizar a cultura de medição e melhoria contínua. Isso significa treinar equipes, criar sistemas de monitoramento e integrar a metodologia aos processos de gestão”, explica.
A questão do financiamento também é relevante. Embora o Lean Six Sigma vise justamente otimizar recursos existentes, a implementação inicial requer investimento em capacitação, consultoria e tempo dedicado das equipes — recursos escassos em hospitais públicos já sobrecarregados.
Lições da Prática
Com base em sua experiência implementando projetos em diferentes instituições, Medeiro destaca três fatores críticos para o sucesso:
Começar com projetos-piloto de impacto visível. “Não é viável transformar todo o hospital de uma vez. É mais eficaz escolher um processo específico, com problema claro e mensurável, executar bem e usar o sucesso inicial para construir credibilidade e engajamento para projetos maiores.”
Envolver profissionais da linha de frente. “Os verdadeiros especialistas nos processos são enfermeiros, técnicos e administrativos que os executam diariamente. Quando eles participam do diagnóstico e da construção das soluções, os resultados são mais eficazes e sustentáveis. Além disso, reduz resistência à mudança.”
Manter foco no paciente. “Toda melhoria de processo precisa ter um objetivo final claro: cuidado mais seguro, mais rápido ou de maior qualidade. Quando a equipe compreende que não está apenas ‘otimizando processos’, mas melhorando vidas, a motivação se torna genuína.”
Perspectivas e Limitações
O Lean Six Sigma representa uma abordagem estruturada para enfrentar desafios de eficiência no sistema de saúde brasileiro. Em um contexto de demanda crescente, recursos limitados e expectativas cada vez maiores por qualidade, otimizar processos e prevenir erros evitáveis torna-se fundamental para a sustentabilidade do sistema.
No entanto, especialistas alertam que metodologia de gestão não substitui investimento adequado. “Podemos e devemos eliminar desperdícios e melhorar processos, mas isso tem limites. Hospitais públicos enfrentam problemas estruturais de subfinanciamento, falta de profissionais e infraestrutura inadequada que não se resolvem apenas com gestão mais eficiente”, pondera Medeiro.
A questão também levanta debates sobre os limites da padronização em ambientes de saúde, onde cada paciente é único e o julgamento clínico é fundamental. “O método não busca eliminar a autonomia profissional, mas reduzir variações desnecessárias — aquelas que não agregam valor clínico e só aumentam riscos e custos”, esclarece.
Construindo Capacidade para o Futuro
Profissionais como Juliana Medeiro atuam como agentes de transferência de conhecimento, traduzindo teoria em resultados práticos e levando padrões de excelência de centros de referência para instituições que atendem milhões de brasileiros.
“No final do dia, cada minuto economizado em um processo, cada erro prevenido, se traduz em mais qualidade de vida. Em muitos casos, em uma nova chance para alguém. Esse é o verdadeiro impacto do trabalho”, reflete Medeiro.
A transformação na gestão hospitalar brasileira está em curso — silenciosa, baseada em dados, movida por profissionais que acreditam que é possível fazer melhor com os recursos disponíveis. Os resultados já documentados mostram que o caminho é promissor, ainda que os desafios permaneçam significativos.
Juliana Medeiro é consultora especializada em Lean Six Sigma aplicado à gestão da saúde, com ampla experiência na implementação de projetos de melhoria contínua em hospitais públicos e privados. Atuou em iniciativas de grande impacto nacional, incluindo projetos desenvolvidos em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein no âmbito do programa PROADI-SUS, do Ministério da Saúde.
Referências
[1] Hospital Israelita Albert Einstein. (s.d.). Strengths. Recuperado de https://www.einstein.br/en/about-einstein/the-sociedade-beneficente-israelita-brasileira-albert-einstein/strenghts
[2] Zimmermann, G. S., & Bohomol, E. (2023). Lean Six Sigma methodology to improve the discharge process in a Brazilian intensive care unit. Revista Brasileira de Enfermagem, 76(3). Recuperado de
Da Teoria à Prática: Como o Lean Six Sigma Está Transformando a Gestão Hospitalar no Brasil
Reduzir de 189 para 75 minutos o tempo que pacientes liberados esperam para sair da UTI. Este é um dos resultados documentados da aplicação do Lean Six Sigma em hospitais brasileiros — uma metodologia nascida no setor industrial que está sendo adaptada para transformar a gestão da saúde pública no país. O método combina eliminação de desperdícios com controle estatístico de qualidade, e vem sendo disseminado em instituições do SUS através do PROADI-SUS, programa do Ministério da Saúde que mobiliza hospitais de excelência para fortalecer o sistema público.
Na linha de frente dessa transformação está Juliana Medeiro, consultora especializada em Lean Six Sigma que atuou em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein para levar práticas de gestão de excelência a hospitais públicos. Contratada pelo Einstein no âmbito do PROADI-SUS, sua missão foi implementar a metodologia em diferentes instituições, capacitar equipes e disseminar uma cultura de melhoria contínua baseada em dados.
Da Fábrica para o Hospital: Entendendo a Metodologia
O Lean Six Sigma nasceu da fusão de duas filosofias de gestão desenvolvidas na indústria. O Lean, originado no sistema Toyota de produção, foca na eliminação de desperdícios — tudo aquilo que não agrega valor ao processo. O Six Sigma, criado pela Motorola nos anos 1980, utiliza ferramentas estatísticas para reduzir variabilidade e defeitos a níveis próximos de zero.
Quando aplicada à saúde, a metodologia identifica e ataca problemas como tempo de espera excessivo, duplicação de exames, estoques inadequados de medicamentos, erros de diagnóstico e falhas em procedimentos. O processo segue o ciclo DMAIC: Definir o problema, Medir sua dimensão com dados, Analisar as causas-raiz, Implementar melhorias e Controlar para garantir sustentabilidade.
“A grande diferença é substituir decisões baseadas em intuição por decisões baseadas em evidências”, explica Medeiro. “Mapeamos cada etapa do processo, coletamos dados, identificamos gargalos e testamos soluções de forma estruturada.”
Do Einstein para o SUS: A Ponte da Excelência
O Hospital Israelita Albert Einstein, reconhecido internacionalmente por seus padrões de qualidade [1], participa do PROADI-SUS desde a criação do programa. Através dessa iniciativa, hospitais filantrópicos de excelência desenvolvem projetos de apoio ao SUS em troca de certificação de entidade beneficente.
Foi nesse contexto que Juliana Medeiro atuou como consultora. “Meu papel foi ser uma ponte entre a expertise do Einstein e a realidade dos hospitais públicos. Não se trata de simplesmente replicar processos, mas de adaptar metodologias e padrões de excelência para contextos com recursos e desafios diferentes”, afirma.
A implementação envolve diagnóstico inicial, mapeamento de processos críticos, capacitação de equipes locais e acompanhamento de projetos-piloto. O objetivo é criar capacidade interna para que as instituições possam dar continuidade às melhorias de forma autônoma. É importante destacar que os hospitais públicos não tiveram nenhum custo com o projeto, já que ele foi totalmente financiado pelo Ministério da Saúde.
Resultados Concretos em Hospitais Brasileiros
Um estudo de caso publicado na Revista Brasileira de Enfermagem em 2023 documenta a aplicação do método em uma UTI de hospital paulistano [2]. Pesquisadores Zimmermann e Bohomol acompanharam o processo de melhoria do fluxo de alta de pacientes.
O problema identificado: após a liberação médica, pacientes esperavam em média 189 minutos para serem transferidos da UTI para o quarto. Esse gargalo gerava não apenas desconforto para pacientes e famílias, mas impedia a admissão de novos casos críticos, comprometendo a capacidade de atendimento.
A equipe aplicou o ciclo DMAIC, mapeando cada etapa do processo de alta, desde a decisão médica até a efetiva transferência. Identificaram causas como falhas de comunicação entre setores, falta de padronização e ausência de indicadores de acompanhamento. Após implementação das melhorias, o tempo médio caiu para 75 minutos — redução de 61%.
“A aplicação da metodologia Lean Six Sigma para melhorar o fluxo de alta em uma unidade crítica demonstrou ser eficaz, resultando em redução de tempo e desperdícios”, concluem os autores [2].
Apesar dos resultados positivos documentados, a implementação enfrenta obstáculos significativos. Medeiro identifica a resistência cultural como o principal desafio. “Hospitais têm processos estabelecidos há anos, profissionais trabalham sob alta pressão e há natural ceticismo em relação a metodologias vindas da indústria. A transformação exige tempo, persistência e, fundamentalmente, apoio da alta liderança.”
Outro desafio é a sustentabilidade das melhorias. Projetos-piloto bem-sucedidos nem sempre se traduzem em mudanças permanentes. “É preciso institucionalizar a cultura de medição e melhoria contínua. Isso significa treinar equipes, criar sistemas de monitoramento e integrar a metodologia aos processos de gestão”, explica.
A questão do financiamento também é relevante. Embora o Lean Six Sigma vise justamente otimizar recursos existentes, a implementação inicial requer investimento em capacitação, consultoria e tempo dedicado das equipes — recursos escassos em hospitais públicos já sobrecarregados.
Com base em sua experiência implementando projetos em diferentes instituições, Medeiro destaca três fatores críticos para o sucesso:
Começar com projetos-piloto de impacto visível. “Não é viável transformar todo o hospital de uma vez. É mais eficaz escolher um processo específico, com problema claro e mensurável, executar bem e usar o sucesso inicial para construir credibilidade e engajamento para projetos maiores.”
Envolver profissionais da linha de frente. “Os verdadeiros especialistas nos processos são enfermeiros, técnicos e administrativos que os executam diariamente. Quando eles participam do diagnóstico e da construção das soluções, os resultados são mais eficazes e sustentáveis. Além disso, reduz resistência à mudança.”
Manter foco no paciente. “Toda melhoria de processo precisa ter um objetivo final claro: cuidado mais seguro, mais rápido ou de maior qualidade. Quando a equipe compreende que não está apenas ‘otimizando processos’, mas melhorando vidas, a motivação se torna genuína.”
O Lean Six Sigma representa uma abordagem estruturada para enfrentar desafios de eficiência no sistema de saúde brasileiro. Em um contexto de demanda crescente, recursos limitados e expectativas cada vez maiores por qualidade, otimizar processos e prevenir erros evitáveis torna-se fundamental para a sustentabilidade do sistema.
No entanto, especialistas alertam que metodologia de gestão não substitui investimento adequado. “Podemos e devemos eliminar desperdícios e melhorar processos, mas isso tem limites. Hospitais públicos enfrentam problemas estruturais de subfinanciamento, falta de profissionais e infraestrutura inadequada que não se resolvem apenas com gestão mais eficiente”, pondera Medeiro.
A questão também levanta debates sobre os limites da padronização em ambientes de saúde, onde cada paciente é único e o julgamento clínico é fundamental. “O método não busca eliminar a autonomia profissional, mas reduzir variações desnecessárias — aquelas que não agregam valor clínico e só aumentam riscos e custos”, esclarece.
Construindo Capacidade para o Futuro
Profissionais como Juliana Medeiro atuam como agentes de transferência de conhecimento, traduzindo teoria em resultados práticos e levando padrões de excelência de centros de referência para instituições que atendem milhões de brasileiros.
“No final do dia, cada minuto economizado em um processo, cada erro prevenido, se traduz em mais qualidade de vida. Em muitos casos, em uma nova chance para alguém. Esse é o verdadeiro impacto do trabalho”, reflete Medeiro.
A transformação na gestão hospitalar brasileira está em curso — silenciosa, baseada em dados, movida por profissionais que acreditam que é possível fazer melhor com os recursos disponíveis. Os resultados já documentados mostram que o caminho é promissor, ainda que os desafios permaneçam significativos.
Juliana Medeiro é consultora especializada em Lean Six Sigma aplicado à gestão da saúde, com ampla experiência na implementação de projetos de melhoria contínua em hospitais públicos e privados. Atuou em iniciativas de grande impacto nacional, incluindo projetos desenvolvidos em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein no âmbito do programa PROADI-SUS, do Ministério da Saúde.
[1] Hospital Israelita Albert Einstein. (s.d.). Strengths. Recuperado de https://www.einstein.br/en/about-einstein/the-sociedade-beneficente-israelita-brasileira-albert-einstein/strenghts
[2] Zimmermann, G. S., & Bohomol, E. (2023). Lean Six Sigma methodology to improve the discharge process in a Brazilian intensive care unit. Revista Brasileira de Enfermagem, 76(3). Recuperado de https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10332370/