Estelionato Sentimental: STJ Consolida entendimento e reforça proteção a vítimas de falsas relações afetivas

101.6k Visualizações
Tempo de Leitura: 4 Minutos
- ADS -
Ad image

O afeto deveria ser abrigo, não armadilha. Mas quando sentimentos são manipulados com o propósito de obter vantagens financeiras, os danos ultrapassam o emocional e atingem também o patrimônio. De olho nessa realidade — cada vez mais presente nos tribunais — a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou posição unânime: simular um relacionamento amoroso com o intuito de enganar e explorar financeiramente o parceiro configura ato ilícito e gera o dever de indenizar por danos morais e materiais.

A decisão, tomada no âmbito do REsp nº 2.208.310, não apenas reconhece o chamado estelionato sentimental, mas também oferece um caminho claro para reparação judicial a quem foi vítima de laços afetivos forjados com dolo.

 

O CASO QUE LEVOU À DECISÃO

A controvérsia analisada envolveu uma mulher, viúva e 12 anos mais velha que o réu, que acreditou viver uma relação legítima. Durante o período em que estiveram juntos, ela repassou aproximadamente R$ 40 mil ao então companheiro, inclusive contraindo empréstimos em seu próprio nome. Ao recusar um novo pedido de ajuda financeira, foi abandonada — e, com o rompimento, veio à tona o engano: o laço afetivo fora apenas fachada.

A Justiça paulista reconheceu a fraude e condenou o homem a indenizar a ex-companheira em R$ 40 mil por danos materiais e R$ 15 mil por danos morais. O réu recorreu, argumentando que não houve coação e que os valores teriam sido entregues espontaneamente. Mas o STJ manteve a condenação.

 

VOTO DA RELATORA: “A ILUSÃO É A ESSÊNCIA DO ILÍCITO”

A ministra Maria Isabel Gallotti, relatora do recurso, foi categórica: estavam presentes todos os elementos do estelionato — vantagem ilícita, meio fraudulento e indução da vítima em erro. Segundo a relatora, o réu explorou conscientemente a vulnerabilidade emocional da mulher, simulando afeto, utilizando falsas narrativas de dificuldades financeiras e aplicando pressão emocional para obter recursos de forma fácil.

Mesmo sem coação explícita, afirmou a ministra, o consentimento obtido mediante manipulação afetiva é viciado. A essência do ilícito está na ilusão criada pelo agente. A vítima atuou movida por um sentimento que foi fabricado com o único intuito de exploração patrimonial.

 

O PRECEDENTE E SUA FORÇA JURÍDICA

A decisão tem valor que ultrapassa o caso concreto. Ela reforça três pilares fundamentais:

  • Reconhecimento da manipulação afetiva como ato ilícito civil;
  • Direito à dupla reparação: moral e material;
  • Segurança jurídica para vítimas que buscam Justiça em casos semelhantes.

 

O STJ consolida, assim, uma jurisprudência compatível com os novos contornos sociais do dano afetivo, respondendo com técnica e sensibilidade a uma realidade muitas vezes silenciada: a do amor utilizado como disfarce para o crime.

 

UMA ADVERTÊNCIA À SOCIEDADE

O julgado não apenas garante reparação — também envia uma mensagem firme àqueles que instrumentalizam o afeto para enganar: a Justiça está atenta, e a dignidade das relações humanas não será banalizada.

Porque amor, quando é verdadeiro, não retira — oferece!

 

Por Quênia Quintal                                                                                                                                                      Advogada | Procuradora Geral do Município de Carapebus–RJ