A escala 4×3 e o verdadeiro sentido do descanso

A Gazeta Popular
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Nesses últimos dias o assunto do momento foi a escala 4×3, com uns argumentando que a escala de trabalho deveria ser mais humanizada para que as pessoas pudessem ter mais tempo de descanso e de lazer, enquanto muitos outros, favoráveis à escala 6×1, argumentavam que já haviam passado a vida inteira trabalhando assim e achavam melhor, ou dizendo que essa intervenção na escala de trabalho fará mal à economia, que já não anda bem das próprias pernas com esse governo. Todo mundo se limitou a aderir a uma escala ou outra, repetindo a leseira mental do a favor ou contra, fugindo de analisar a questão desde sua raiz, ou pior, com análises completamente abstratas. De que profissão é a escala a que nos estamos referindo? É ao operário industrial, ao funcionário bem formado da Petrobrás que faz seus 5×2 ou ao sujeito que embarque quinzenalmente porque os poços de perfuração não podem parar, e na medida em que não podem parar, há a direta necessidade dos serviços de diversos técnicos que trabalham, a princípio de segunda a sexta, de acordo com a demanda operacional das plataformas. Sem o trabalho de um não há o trabalho do outro.

Agora suponhamos que devido a uma grande demanda os equipamentos usados para perfuração de poços numa plataforma, sobrecarregados, começaram a apresentar sérios defeitos que impediram a operação de seguir em frente. Numa situação dessas, as pessoas que trabalham na base manutenindo e dando suporte a essa operação imediatamente seriam convocadas a trabalhar, e portanto a fazer hora-extra, de modo a suprir essa demanda. Agora imagine que, lá pelas tantas, ocorre um estouro alto e a luz acaba; nisso um dos funcionários tropeça descendo as escadas, cai e fratura a perna. Nós diríamos a essas pessoas, sobrecarregadas de serviço, “paciência, a fornecedora de luz só volta segunda-feira e os socorristas do hospital também”? Suponhamos ainda que devido a vários problemas nas diversas operações Brasil a fora, estivéssemos com falta de fornecimento de combustível, e o combustível dos caminhões da ampla e das ambulâncias já estivessem prestes a acabar. Diríamos, “paciência, fazer o quê?”

Expanda um pouco mais esse exercício imaginativo e você perceberá que toda a sociedade funciona como um ecossistema, em que as diversas funções de cada profissão dependem e suprem a de outra. Isso significa que a escala não é planejada somente por um acordo entre funcionário e empregador, como sugerem alguns que fogem um pouco da adesão binária entre uma proposta e outra, e nem é um problema que o aumento na contratação de funcionários resolveria, pois existe a escassez de profissionais em diversas áreas: A escala é fruto da própria necessidade interna da sociedade, de maneira que é impossível determinar o tempo de serviço genérica e abstratamente, como sugere o projeto de lei. Problema que não se resolveria adicionando inúmeras exceções à lei, o que a faria perder efetividade e abrangência, e sua aplicação faria com que muitas empresas, por conta da própria demanda social, caíssem em ilegalidade, descredibilizando ainda mais nosso sistema legal e pondo essa parcela de empregadores em situação de possível punição legal. Como é impossível punir a todos sem colapsar o próprio ecossistema social, a universalidade da aplicação das leis seria reduzida à punição somente daqueles a que o governo quer punir. O que seria isso senão tirania velada de democracia? “O que é a justiça?”, perguntou Sócrates um dia, e nosso governo respondeu: “é ajudar os amigos e ferrar com os inimigos”.

A consequência imediata dessa lei é o aumento do trabalho informal e o aumento do controle social, tudo isso velado sob aparência democrática e sob a preocupação com o tempo de trabalho do povo. Não é genial?

O segundo grau do problema é o antropológico: quem é que disse que aumentando o tempo livro as pessoas vão descansar mais? A premissa que fundamenta a lei passa muito longe do conhecimento básico sobre o ser humano. Quantas pessoas depois de aposentadas voltaram a trabalhar não tanto pelo dinheiro, mas porque sobrava tempo livre; e quantas outras que tendo uma carga de trabalho menor arrumam um outro emprego para ganhar uma graninha extra. E a quem falta saber que, se possível for, as pessoas trabalharão mais para comprar coisas mais caras, mais tecnológicas e confortáveis, para fazer muitas viagens sonhadas pelo mundo e para adquirir poder sobre a sociedade? É claro que isso pode ser muito pouco perante a grandeza da alma humana, mas aí culpemos as ideologias materialistas de quem criou e promove projetos de lei como esse. Vocês rebaixam a visão humana a esse mundo material e a agora querem reclamar de suas consequências?

O terceiro grau é um pouco mais complexo, porque o feriado semanal não surgiu como uma idéia de escala, mas como preceito divino. Deus na criação do mundo trabalhou seis dias e descansou de toda a sua obra no sétimo. Olhando para tudo quanto havia feito disse que era muito bom e santificou o sétimo dia. No jardim não havia necessidade de trabalho, Adão estendia a mão e colhia sem dificuldade o que lhe faltava a comer; a terra não oferecia espinhos nem ervas daninhas. Essas dificuldades que fazem exigir de nossos primeiros pais o trabalho são consequências da queda. O Senhor Deus diz: “… maldito o solo por tua causa! Dele te alimentarás com sofrimento, todos os dias de tua vida. Espinhos e matagal ele te produzira, e tu te alimentarás das ervas do campo. No suor do teu rosto comerás o pão, até voltares ao solo do qual foste tirado (Gn 3, 17-19)”. A bondade do Senhor não deixa de se expor mesmo nas punições, e Ele faz da necessidade do trabalho, com todas as dificuldades que essa vida passa então a apresentar, um meio para restaurar a ordem na alma humana.

Com o avançar da história da salvação, o Senhor Deus torna uma lei, por meio de Moisés, guardar o sétimo dia da semana: é preciso que o homem tome um dia de descanso, assim como Deus fez quando terminou a obra de sua criação, para contemplar a obra da criação, a qual agora ele é cocriador, e dedicar e oferecê-la a Deus. Essa belíssima história culminará na Encarnação do Verbo que, vindo ao mundo e ensinando a divina revelação, passa pela paixão, morte e ressurreição. Seguindo o que Nosso Senhor Jesus Cristo os havia ensinado, os Apóstolos decidem transferir o descanso sabático para o domingo, que passa a ser considerado pelos cristãos, a qual vão fundar nossa civilização, como o dia do Senhor, já que foi nesse dia que ele ressuscitou. A semana, a partir daqui, ganha a forma simbólica, como a Igreja Católica abundantemente desenvolverá em sua liturgia, da história da salvação. A semana é um símbolo da criação, da encarnação e da redenção do mundo, e por isso o primeiro dia é considerado o oitavo, 7+1, pois é quando o mundo ganha vida nova por meio da graça da ressurreição. Deus, em sua abundante sabedoria, pede por meio da lei que o dediquemos 1 dia e nós cristãos o respondemos dedicando o dia de sua ressurreição.

A revolução industrial virá muitos séculos depois, quando toda sociedade já estava, há muitos séculos, estabelecida sob os ensinamentos católicos. A situação avançou ainda mais até chegar nossos tempos atuais, e apesar da nossa sociedade estar fundada nesses ensinamentos, a população já não é predominantemente católica. As pessoas que argumentam a favor ou contra a escala 4×3 sequer são capazes de lembrar que o verdadeiro descanso para o coração humano é a contemplação das verdades divinas, e que por mais que as pessoas descansem 3,4 ou 5 dias, elas sempre estarão cansadas, sobrecarregadas com seus fardos e seus trabalhos, porque não dedicaram seu descanso ao Único necessário, porque não entregaram os trabalhos e fadigas de cada dia a Aquele que os poderia aliviar, porque já não sabem onde encontrar a pausa restauradora nesse caminhada rumo ao céu.

 

Por: Ricardo Antão Parada – Ricardoantaoparada@hotmail.com