Como identificar sinais de abuso e violência em um relacionamento?

A Gazeta Popular
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Em meio à onda de agressões e mortes de mulheres, especialistas destacam sinais que podem ser observados nos companheiros que podem ajudar a evitar uma tragédia

Não passa um dia sem que feminicídios e outras formas de violência contra a mulher ocupem os noticiários. Na última semana, pelo menos três foram registrados em Minas Gerais, com os suspeitos de praticarem os crimes sendo os próprios companheiros das vítimas. Ao Estado de Minas, especialistas destacam sinais para que mulheres fiquem alertas, possíveis perfis dos agressores e quais medidas podem ser tomadas para evitar serem atacadas.

Esses alertas se mostram urgentes diante da onda de violência que atingiu o estado, com exemplos recentes como o policial penal Rodrigo Caldas, de 45 anos, preso por matar estrangulada a namorada Priscilla Azevedo Mundim, de 46, em 16 de agosto, na capital. No mesmo dia, um policial penal anos matou a tiros a namorada, de 43, também da mesma profissão, no apartamento em que moravam em Uberlândia, no Triângulo. Ainda na data, em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro, uma mulher foi agredida pelo marido com um banco de madeira na cabeça. A vítima, socorrida inconsciente, sofreu traumatismo craniano e ficou em estado grave.

Para especialistas, não é coincidência que nas três ocorrências os suspeitos dos crimes sejam companheiros das vítimas. Facilitador em um grupo de encontro para homens denunciados por violência doméstica em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Cleber Giliard Rodrigues Miranda conta que a maioria dos seus atendimentos envolve violência contra a namorada do acusado. Em seguida, contra esposa e mãe. Esse é um dos padrões nos casos, informa o também pesquisador de violência de gênero e masculinidade na universidade federal da cidade (UFJF).

Outro padrão que ele nota é que as agressões costumam ocorrer após os homens consumirem bebidas alcoólicas ou drogas. A participação dos denunciados por violência doméstica nos grupos reflexivos onde o pesquisador atua foi estipulada como obrigatória na Lei Maria da Penha em 2020, conta Cleber Giliard.

Perfil do agressor

Quando se trata de idade, classe social ou raça, o pesquisador explica que os agressores não têm um perfil específico. Nos grupos em que atua, por onde já passaram 512 homens desde 2022, a faixa etária dos possíveis agressores varia entre 18 e 78 anos. O padrão que o Cleber Giliard afirma perceber é no ciclo da violência. “Quando eles chegam muito gentis, passa um tempo e já querem exercer um certo controle sobre a vítima. Mas é muito sútil esse controle, é quase imperceptível e vai se agravando, vai aumentando, até chegar na agressão”, detalha.

Diante disso, ele afirma que mulheres têm que ligar o alerta para o comportamento controlador e práticas como desmerecimento e ofensas verbais. “A gente fala que a violência psicológica precede todas”, frisa.

Da mesma opinião é Juliana Califf, chefe da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância (Demid), da Polícia Civil de Minas Gerais. “Não tem um perfil físico, tem um perfil comportamental”, afirma. A delegada destaca atitudes como mandar a companheira a trocar de roupa, monitorar o tempo inteiro o que ela está fazendo, obrigar a mulher a manter relações sexuais e até impedi-la de gastar o próprio dinheiro.

Como identificar

Apesar de os números e as notícias revelarem a dimensão da violência, muitas mulheres não conseguem reconhecer sinais de abuso, principalmente quando estão emocionalmente dependentes do agressor. A psicóloga Najma Alencar destaca que essa dependência é um fator de silenciamento. “Elas não foram ensinadas a identificar os sinais de um relacionamento abusivo. Muitas nem sabem que violência não é apenas física, mas também sexual, psicológica, moral ou patrimonial”, frisa.

Para ajudar as pacientes, Najma aplica um questionário com 12 perguntas que apontam o grau de dependência emocional. Responder “sim” para as questões indica um vínculo marcado pela submissão e pelo medo de abandono (confira ao lado). Segundo a psicóloga, superar essa dependência exige autocrítica, autoestima e autonomia, além de acompanhamento terapêutico. Mas, quando a relação é marcada por abuso, é fundamental procurar ajuda. “Ao menor sinal de abuso, deve buscar apoio, seja em uma delegacia da mulher ou com alguém de confiança. Uma rede de apoio é essencial para que ela encontre coragem de sair dessa situação”, ressalta.

Procurando ajuda

A delegada Juliana Califf afirma que as mulheres podem, e devem, procurar a Polícia Civil. Ela destaca os canais de atendimento on-line, por meio da Delegacia Virtual e o plantão 24 horas, no número 180. Uma medida protetiva contra o agressor, inclusive, pode ser solicitada. “A Polícia Civil tem que meter a colher”, declara.

De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), a violência contra a mulher não dá trégua em Minas Gerais. No ano passado, o estado bateu recorde, com 415 registros de feminicídios, sendo 248 tentados e 167 consumados. Em 2023, foram 354 (186 consumados e 168 tentativas). Já em 2025, até junho, foram 167 – 72 consumados e 95 tentados. Do total, 21 em BH.

Esses números não refletem apenas a violência física. Para a psicanalista e psicóloga Camila Camaratta, eles revelam uma falência simbólica da capacidade de elaborar perdas, lidar com frustrações e transformar impulsos em palavras ou negociações. “Quando essa capacidade falha, o sujeito age para destruir, calar, eliminar aquilo que não consegue elaborar. O feminicídio é justamente isso: uma passagem ao ato que denuncia uma falência profunda na possibilidade de lidar com o outro”, explica.

A psicóloga observa que, em muitos casos, o homem mata para reafirmar um senso de posse. “É como se o sujeito dissesse: ‘não suporto que o outro exista sem ser meu’. Quando falta a capacidade de elaboração da perda, falta também a mediação. O impulso vira ação sem filtro, e o feminino se transforma em ameaça a ser eliminada”, avalia.

Dependência emocional

Questionário desenvolvido por Najma Alencar ajuda a descobrir o grau de dependência emocional. Confira:

  1. Você sente necessidade de consultar o seu parceiro para tudo o que faz?
  2. Você é incapaz de aproveitar os momentos em que está sozinha?
  3. Sua felicidade depende exclusivamente do seu parceiro e não consegue suportar a ideia de um término?
  4. Você se afastou dos amigos e da família desde que começou essa relação?
  5. Você não se atreve a tomar a iniciativa em nada e não expressa sua opinião por medo de desagradá-lo?
  6. Qualquer atividade que você faz sem ele é chata e monótona?
  7. Você já se fez de vítima para chamar a atenção dele?
  8. Sua vida não tem sentido sem ele?
  9. Você vive com medo de ele ir embora?
  10. Você acha que tem muita sorte de alguém tão incrível querer ser seu parceiro?
  11. Você é muito ciumenta?
  12. Você perdoaria uma traição para não terminar o relacionamento?