A sucessão na presidência da Câmara, do deputado Arthur Lira (PP-AL) para Hugo Motta (Republicanos-PB), traz o risco de paralisação da tramitação de duas propostas de emenda à Constituição que limitam o poder do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas, a PEC 8/2021, já aprovada no Senado, praticamente acaba com as decisões monocráticas dos ministros. A outra, PEC 50/2023, permitiria ao Congresso suspender decisões da Corte.
As duas propostas avançaram no ano passado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeira fase de tramitação, onde foram aprovadas por ampla maioria, em outubro, a partir do esforço da deputada Caroline de Toni (PL-SC), que presidiu o colegiado no ano passado, e de deputados da direita mais aguerridos em relação ao STF.
Agora, segundo parlamentares envolvidos com o tema, não há garantia de avanço, que depende do novo presidente da Casa. Alguns são mais pessimistas ao dizer que Motta tenderia a seguir o mesmo caminho de Lira, que deixou as propostas na gaveta. Outros mais otimistas ponderam que ações do STF e do governo federal para diminuir o poder do Congresso sobre as emendas parlamentares ao Orçamento da União podem fazer o Centrão retaliar e não se opor aos projetos que reduzem o poder do Supremo.
O próximo passo da tramitação dessas propostas no Congresso é a instalação de duas comissões especiais para analisar o mérito das PECs. Cada um desses colegiados é formado exclusivamente para apreciar e votar o teor de cada uma das propostas e a composição depende da indicação dos líderes partidários – cada legenda tem direito a indicar uma quantidade proporcional ao tamanho de sua bancada na Câmara.
Desde a aprovação das PECs, no início de outubro, o atual presidente, Arthur Lira, nada fez para instalar as comissões e convocar os líderes para nomear os integrantes. Em parte em razão das eleições, em parte devido à priorização da agenda tributária e fiscal do governo.
Hugo Motta, favorito para presidir a Câmara pelos próximos dois anos, é apadrinhado de Lira e tende a dar continuidade à sua agenda e estilo de comandar a Casa.
O deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), relator da PEC 50/2023, que permite ao Congresso suspender decisões do STF, diz não haver nenhuma garantia de que Motta vá criar as comissões e levar o tema ao plenário da Câmara.
“Vai ser um Lira 2. Nossa liderança entregou o PL de bandeja sem negociar nada, só cargos e posições na Mesa [Diretora da Câmara]. É patético”, disse. “A única que temos é que a opinião pública está muito mais ansiosa para ver resultados. O que está tendo é um distanciamento do Poder Legislativo do eleitor. Muitos deputados saíram divulgando vitória na CCJ, mas não articularam nada com o próximo presidente da Câmara. O PL fechou com o presidente Motta sem colocar essas pautas na mesa”, disse.
A reportagem procurou o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), para questionar sobre as negociações para o avanço das PECs, mas não houve retorno.
Caroline de Toni, que conseguiu aprovar as duas PECs na CCJ, diz que, quando Motta se consolidou como favorito para presidir a Câmara, deputados da direita entregaram a ele uma lista com as proposições prioritárias para oposição e a minoria.
A relação de propostas é composta de 10 eixos, que incluem não apenas a instalação das comissões das PECs que freiam o STF, mas também de uma que proíbe totalmente o aborto (PEC 164/2012) e outra que criminaliza o porte e a posse de qualquer droga (PEC 45/2023). Todas tiveram a admissibilidade aprovada na CCJ em 2024.
“O deputado Hugo [Motta] foi bem receptivo ao documento. Mas, obviamente, não é suficiente. Seguiremos cobrando diuturnamente até que tenhamos êxito no andamento dessas proposições”, diz De Toni.
Em outubro do ano passado, logo após a aprovação, na CCJ da Câmara, da PEC que acaba com as decisões monocráticas no STF, o deputado José Medeiros (PL-MT) apresentou a Lira um requerimento formal para instalação da comissão especial. O presidente da Câmara não despachou. Medeiros diz acreditar que Motta também não fará nada.
“Não anda um centímetro. Sem prejulgar o novo presidente, que ainda nem foi eleito, não vejo condições nele e poder para que consiga fazer avançar proposta dessa”, diz.
Para ele, o STF alcançou um poder tão grande que a Câmara não tem como freá-lo; só o Senado teria essa condição, se demonstrasse disposição para abrir impeachment de ministros que se excedem.
“A Câmara não tem um dispositivo para dar proteção mínima sequer contra golpe de lá para cá. Se tivéssemos um Senado que estivesse cumprindo seu papel, o presidente [da Câmara] e os líderes teriam coragem e independência para fazer isso. Diante da hipossuficiência total e poder imensurável do STF, teria que ter muita coragem. Não sei se um presidente que está começando agora, se teria esse nível de coragem para fazer isso.”