Decisões cada vez mais frequentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sob argumento de suspeita de conluio entre membros da força-tarefa da Lava Jato são um ponto central nas discussões para anular processos, condenações e provas obtidas na operação, alertam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Segundo os advogados, as decisões colocam em risco o sistema de enfrentamento e combate à corrupção no país.
Nesta semana uma nova decisão de Dias Toffoli decretou nulidade absoluta contra mais um dos investigados: Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda (2003-2006) e da Casa Civil (2011) nos governos petistas.
A divulgação da sentença, em 18 de fevereiro, coincidiu com a data em que a Procuradoria-Geral das República (PGR) denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas por um suposto planejamento de golpe de Estado, com os olhares da mídia, da cena política e da opinião pública voltados para a denúncia.
Para especialistas, a postura do STF poderá intensificar o desmonte na estrutura de combate à corrupção no Brasil, com a revisão de sentenças que envolvem figuras políticas e empresários de destaque, o que reforça a “sensação de impunidade”.
Segundo análises de especialistas, esse movimento não só compromete a efetividade do combate à corrupção, mas também poderá gerar um impacto significativo em novos processos ou investigações que possam caminhar nesse sentido.
“A revisão de condenações e a anulação de provas obtidas pela força-tarefa da Lava Jato levantam preocupações sobre o fortalecimento de instituições que combatem a corrupção no país. Minar a estrutura da Lava Jato, que por anos foi vista como um marco no enfrentamento da impunidade, vai resultar em um enfraquecimento do sistema judiciário e um retrocesso na luta contra a corrupção, prejudicando a confiança da população nas instituições responsáveis pela aplicação da lei”, alerta o advogado Márcio Nunes, especialista em Direito Público.
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, essas decisões do STF representam um duro golpe contra a operação Lava Jato e seus ex-integrantes, mas com muitos efeitos colaterais.
“As anulações não negam materialmente aos casos de corrupção. O que as anulações fazem é se dedicarem a entender que houve parcialidade, que havia um conluio, no entendimento do Toffoli, entre os juízes e procuradores da Lava Jato, e isso resultava numa parcialidade que deveria anular o julgamento. Encontraram essa medida tangencial ao mérito para anular tudo”, avalia.
Marsiglia pondera que não se está anulando apenas as provas, mas toda a Lava Jato. Com isso, há o risco de se comprometer futuras ações de enfrentamento à corrupção. “Com o deferimento ou com a decisão sobre a parcialidade do juiz, por conta dessa alegação, passaram a emprestar essa parcialidade a todos os demais réus [da Lava Jato]. O caso do Palocci é basicamente isso”, alerta o especialista, ao considerar que o mesmo tem ocorrido com outros acusados.
Em seu despacho no processo de Palocci, o ministro do STF cita que se nota “um padrão de conduta de determinados procuradores integrantes da Força Tarefa da Lava Jato, bem como de certos magistrados que ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos – pessoais e políticos -, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito”.
O ministro fala da existência de ilegalidades e violação dos direitos fundamentais de Palocci, o que seria incompatível com a manutenção de sua condenação ou qualquer ato processual subsequente.
“Mas e os milhões desviados e apreendidos, resgatados, as delações, as confissões de crimes, os acordos de delação premiada e de leniência, isso tudo não comprova os atos de corrupção? Isso não deve ser investigado e punido?”, alerta Márcio Nunes.
A decisão em benefício de Palocci se baseia, segundo Toffoli, em provas de um suposto conluio entre o ex-juiz federal Sergio Moro (União), atualmente senador pelo Paraná, e procuradores da força-tarefa. Ela usa como base informações e dados obtidos na operação Spoofing.