Dra. Kênia Quintal: Autistas e Planos de Saúde: Quando a Justiça Precisa Ensinar o Óbvio

A Gazeta Popular
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Em um cenário onde a garantia de direitos básicos deveria ser intrínseca, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado de forma contundente para assegurar que pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) recebam o tratamento adequado e contínuo por parte dos planos de saúde. As recentes decisões e a consolidação de entendimentos, como a publicação da edição 259 da série Jurisprudência em Teses em maio de 2025, reforçam a necessidade de intervenção judicial para garantir o que, para muitos, deveria ser óbvio: o acesso irrestrito à saúde.

A edição 259 da Jurisprudência em Teses do STJ, publicada em maio de 2025, foca nos direitos da pessoa com TEA e consolida entendimentos cruciais que visam coibir práticas abusivas das operadoras de planos de saúde. Dentre os principais pontos destacados, merecem atenção:

  • Abusividade na Recusa de Cobertura: É considerada abusiva a recusa de cobertura de terapias multidisciplinares (como fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras) para beneficiários com diagnóstico de TEA. A necessidade dessas terapias é amplamente reconhecida pela comunidade médica e científica, sendo fundamental para a qualidade de vida dos beneficiários.

  • Limitação Abusiva de Sessões: A imposição unilateral de limites ao número de sessões terapêuticas pelas operadoras, sem respaldo técnico individualizado, é igualmente abusiva. O tratamento do TEA exige continuidade e intensidade, e a restrição de sessões compromete diretamente a eficácia do acompanhamento.

  • Cobertura Obrigatória de Terapias Complementares: Terapias como Equoterapia, Musicoterapia e Hidroterapia, quando indicadas por profissional habilitado, são de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. A recusa dessas terapias, sob a alegação de não estarem no rol de procedimentos, é contrária ao entendimento do STJ, que prioriza a prescrição médica e a integralidade do tratamento.

O Cenário do TEA no Brasil e a Judicialização da Saúde Suplementar

A relevância dessas decisões se acentua diante do crescente número de diagnósticos de TEA. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 1 a cada 36 crianças esteja dentro do espectro autista — um aumento considerável nas últimas décadas, conforme dados do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, EUA), usados como referência global.

 

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Em um cenário onde a garantia de direitos básicos deveria ser intrínseca, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se posicionado de forma contundente para assegurar que pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) recebam o tratamento adequado e contínuo por parte dos planos de saúde. As recentes decisões e a consolidação de entendimentos, como a publicação da edição 259 da série Jurisprudência em Teses em maio de 2025, reforçam a necessidade de intervenção judicial para garantir o que, para muitos, deveria ser óbvio: o acesso irrestrito à saúde.A edição 259 da Jurisprudência em Teses do STJ, publicada em maio de 2025, foca nos direitos da pessoa com TEA e consolida entendimentos cruciais que visam coibir práticas abusivas das operadoras de planos de saúde. Dentre os principais pontos destacados, merecem atenção:Abusividade na Recusa de Cobertura: É considerada abusiva a recusa de cobertura de terapias multidisciplinares (como fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional, entre outras) para beneficiários com diagnóstico de TEA. A necessidade dessas terapias é amplamente reconhecida pela comunidade médica e científica, sendo fundamental para a qualidade de vida dos beneficiários.Limitação Abusiva de Sessões: A imposição unilateral de limites ao número de sessões terapêuticas pelas operadoras, sem respaldo técnico individualizado, é igualmente abusiva. O tratamento do TEA exige continuidade e intensidade, e a restrição de sessões compromete diretamente a eficácia do acompanhamento.Cobertura Obrigatória de Terapias Complementares: Terapias como Equoterapia, Musicoterapia e Hidroterapia, quando indicadas por profissional habilitado, são de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. A recusa dessas terapias, sob a alegação de não estarem no rol de procedimentos, é contrária ao entendimento do STJ, que prioriza a prescrição médica e a integralidade do tratamento.O Cenário do TEA no Brasil e a Judicialização da Saúde SuplementarA relevância dessas decisões se acentua diante do crescente número de diagnósticos de TEA. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 1 a cada 36 crianças esteja dentro do espectro autista — um aumento considerável nas últimas décadas, conforme dados do CDC (Centers for Disease Control and Prevention, EUA), usados como referência global.No Brasil, ainda há subnotificação, mas a projeção é de mais de 2 milhões de pessoas com TEA, o que demanda uma atenção cada vez maior dos sistemas de saúde.Em 2022, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu diversas terapias no rol de procedimentos obrigatórios, um avanço conquistado após intensa pressão de entidades da sociedade civil e reiteradas decisões judiciais. No entanto, mesmo com essas regulamentações, as negativas de cobertura por parte dos planos de saúde continuam sendo uma das principais causas de judicialização da saúde suplementar.A jurisprudência do STJ, ao consolidar o entendimento de que o rol da ANS é exemplificativo e que a indicação médica deve prevalecer sobre a interpretação restritiva das operadoras, busca minimizar essa necessidade de recorrer à Justiça para garantir direitos básicos. A Saúde como Direito, Não como MercadoriaAs decisões do STJ representam um passo fundamental para que a saúde de pessoas com TEA seja tratada como um direito inalienável, e não como uma mercadoria sujeita a interpretações contratuais restritivas. Elas reforçam a responsabilidade dos planos de saúde em oferecer um tratamento abrangente, contínuo e acessível, garantindo que a inclusão e o desenvolvimento pleno de cada indivíduo com TEA sejam prioridades.A Justiça, nesse contexto, atua como um guardião, ensinando o óbvio e assegurando que a dignidade e o bem-estar prevaleçam sobre interesses meramente econômicos.Colunista e Advogada Dra. Kênia Rodrigues Quintal (Procuradora Geral do Município de Carapebus – RJ.

No Brasil, ainda há subnotificação, mas a projeção é de mais de 2 milhões de pessoas com TEA, o que demanda uma atenção cada vez maior dos sistemas de saúde.

 

Em 2022, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu diversas terapias no rol de procedimentos obrigatórios, um avanço conquistado após intensa pressão de entidades da sociedade civil e reiteradas decisões judiciais. No entanto, mesmo com essas regulamentações, as negativas de cobertura por parte dos planos de saúde continuam sendo uma das principais causas de judicialização da saúde suplementar.

 

A jurisprudência do STJ, ao consolidar o entendimento de que o rol da ANS é exemplificativo e que a indicação médica deve prevalecer sobre a interpretação restritiva das operadoras, busca minimizar essa necessidade de recorrer à Justiça para garantir direitos básicos.

 

A Saúde como Direito, Não como Mercadoria

As decisões do STJ representam um passo fundamental para que a saúde de pessoas com TEA seja tratada como um direito inalienável, e não como uma mercadoria sujeita a interpretações contratuais restritivas. Elas reforçam a responsabilidade dos planos de saúde em oferecer um tratamento abrangente, contínuo e acessível, garantindo que a inclusão e o desenvolvimento pleno de cada indivíduo com TEA sejam prioridades.

A Justiça, nesse contexto, atua como um guardião, ensinando o óbvio e assegurando que a dignidade e o bem-estar prevaleçam sobre interesses meramente econômicos.

 


Colunista e Advogada Dra. Kênia Rodrigues Quintal (Procuradora Geral do Município de Carapebus – RJ.