“Blindagem Oficial: Procuradoria pede para arquivar pedido de investigação da cúpula da Previdência”

A Gazeta Popular
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Pedido gera polêmica e levanta suspeitas sobre transparência e combate à corrupção no sistema previdenciário brasileiro.

A Procuradoria-Geral da União (PGU) protocolou nesta semana um pedido formal para o arquivamento da investigação que envolve membros da cúpula da Previdência Social, suspeitos de participação em um esquema que teria causado um rombo milionário aos cofres públicos. A solicitação, feita junto à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU), surpreendeu autoridades, parlamentares e especialistas em controle público, reacendendo o debate sobre impunidade e blindagem institucional no alto escalão do governo federal.

A investigação, iniciada em 2023, apontava indícios de irregularidades na concessão de benefícios, fraudes em contratos de tecnologia e favorecimento a grupos empresariais em licitações, com estimativa de prejuízo superior a R$ 1,2 bilhão. Os principais alvos da apuração seriam servidores de alto escalão e ex-diretores vinculados diretamente ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e à Secretaria de Previdência.

Segundo o ofício da PGU, obtido com exclusividade por A Gazeta Popular, “não foram reunidos elementos suficientes que justifiquem a continuidade do inquérito administrativo, tampouco da persecução judicial, inexistindo provas concretas da responsabilidade direta dos investigados.” A Procuradoria também menciona a “preservação da estabilidade institucional” como justificativa para o encerramento do caso.

A decisão, no entanto, gerou forte reação de órgãos de controle e de parlamentares da oposição. O deputado federal Rafael Mendonça (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar de Fiscalização e Transparência, classificou o arquivamento como “um escândalo anunciado” e prometeu apresentar uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) para que a apuração seja retomada de forma independente.

“Estamos falando de um esquema que desviou recursos vitais de milhões de aposentados e pensionistas. Encerrar essa investigação sem respostas é rasgar o compromisso com a moralidade pública”, afirmou o parlamentar.

Internamente, técnicos do TCU já haviam identificado movimentações financeiras atípicas e documentos alterados em processos administrativos dentro da Previdência. Um relatório preliminar do órgão, divulgado em abril, apontava para a existência de um “modus operandi recorrente” de manipulação de dados e direcionamento de contratos, recomendando, à época, o aprofundamento das investigações.

A CGU ainda não se pronunciou oficialmente sobre o pedido da PGU. Nos bastidores, porém, há desconforto entre auditores que participaram da coleta inicial de provas.

Para o advogado e especialista em direito administrativo Mauro Cândido, o arquivamento pode ser revertido caso surjam novos elementos, mas representa “um grave sinal de fraqueza institucional.”

“A impressão que fica é de que há uma proteção deliberada a figuras estratégicas do governo. Isso enfraquece a confiança da sociedade nas instituições”, afirmou.

O Ministério da Previdência Social divulgou nota afirmando que “confia nas decisões da Procuradoria-Geral da União e reitera seu compromisso com a legalidade e a boa gestão dos recursos públicos.”

A sociedade civil e entidades de defesa da transparência já organizam manifestações e notas de repúdio à decisão. Para muitos, o episódio marca mais um capítulo de desconfiança sobre o uso político das estruturas de fiscalização e controle no Brasil.

Conflito de Interesses e Interferência Política?

Fontes internas relataram à Gazeta Popular que o pedido da PGU teria sido articulado após reuniões reservadas entre membros do alto escalão do governo e representantes jurídicos dos investigados. Um dos nomes mencionados é o do secretário-executivo adjunto da Casa Civil, que teria intercedido politicamente para minimizar os impactos da apuração sobre a imagem da gestão federal às vésperas do período eleitoral.

Além disso, circulam nos bastidores do Congresso rumores de que parte dos investigados possui vínculos com figuras influentes do Centrão — bloco parlamentar que dá sustentação ao governo no Congresso — o que alimenta suspeitas de interferência política direta no processo.

O procurador aposentado da República, Leonardo Meirelles, vê com preocupação o contexto:

“A PGU tem competência para atuar na defesa da União, mas não pode ser instrumento de abafamento. Se há suspeitas consistentes e relatórios de órgãos como TCU e CGU, o arquivamento é no mínimo prematuro — ou proposital.”

Reação dos Servidores e Entidades de Fiscalização

A Associação Nacional dos Auditores da Previdência (ANAPREV) divulgou uma nota técnica classificando o pedido de arquivamento como um “grave retrocesso institucional” e alertando para o “risco de naturalização de esquemas de corrupção sistêmica no sistema previdenciário”.

“Este pedido atinge não apenas a imagem da Previdência, mas de todos os servidores honestos que lutam diariamente para manter o sistema funcionando. Se não houver punição exemplar, abre-se precedente para novas fraudes”, afirma o presidente da entidade.

Benefícios Fraudados e Contratos Sob Suspeita

Entre os casos sob investigação, constavam:

  • Concessões de aposentadorias por invalidez com laudos falsificados, em estados como Alagoas e Maranhão;

  • Parcerias com cooperativas de fachada para intermediação de perícias médicas;

  • Contratos emergenciais com empresas de tecnologia sem licitação, inclusive uma delas pertencente a um ex-assessor de gabinete da própria secretaria.

Segundo auditoria da CGU, uma única fraude envolvendo perícias médicas teria causado um prejuízo de mais de R$ 92 milhões em um intervalo de 18 meses.

MPF Pode Reabrir Caso

A Procuradoria da República no Distrito Federal, vinculada ao Ministério Público Federal, ainda pode requerer a continuidade das investigações, com base nos relatórios já existentes. Juridicamente, a manifestação da PGU não obriga o arquivamento automático, mas exerce forte influência institucional e política.

Especialistas recomendam que a sociedade civil pressione para que o MPF atue de forma independente. “A última linha de defesa da transparência no Brasil tem sido o Ministério Público. É hora de resistir”, diz a jurista Vera Malta, do Instituto Transparência Brasil.

OPINIÃO DA REDAÇÃO

O pedido da PGU para arquivar um caso dessa magnitude é mais do que uma decisão técnica — é um gesto político. A narrativa de falta de provas não se sustenta diante de documentos públicos e auditorias confirmadas. Se há dúvidas, que se investigue mais. Mas enterrar provas e sufocar investigações é desonrar os milhões de brasileiros que contribuem e dependem do sistema previdenciário. A Previdência Social merece justiça, não acordos de bastidores.

A Gazeta Popular segue acompanhando os desdobramentos.