O MME, no entanto, decidiu manter as ofertas para o leilão que ocorrerá daqui a três meses, em 17 de junho.
O MME (Ministério de Minas e Energia) negou um pedido formal feito pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente) para que fosse retirada do próximo leilão de petróleo a oferta de dezenas de blocos localizados na bacia Potiguar, uma região do oceano próxima à cadeia montanhosa que forma o arquipélago de Fernando de Noronha.
Conforme informações obtidas pela reportagem, o chamado GTPeg (Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás), ligado ao MMA, enviou um parecer técnico à pasta de Minas e Energia, em janeiro, no qual solicitava a exclusão dos 31 blocos de petróleo dessa região, devido à reanálise dos impactos e riscos ambientais envolvidos.
O MME, no entanto, decidiu manter as ofertas para o leilão que ocorrerá daqui a três meses, em 17 de junho. Nas últimas semanas, o MME enviou um “pedido de reconsideração” à pasta comandada pela ministra Marina Silva, argumentando, sob seu ponto de vista, os motivos de os blocos serem mantidos na oferta. A avaliação técnica dentro do Meio Ambiente, porém, é a de que estes precisam ser retirados do leilão, apesar de um posicionamento formal ainda não ter sido dado pela pasta.
O motivo do racha entre as pastas de Minas e Energia e Meio Ambiente tem origem em uma “manifestação conjunta” assinada pelos dois ministérios em fevereiro e junho de 2020, durante a gestão Jair Bolsonaro, quando ambos deram sinal verde para a oferta dos blocos. Essa manifestação, que tem validade de cinco anos, é uma exigência do Conselho Nacional de Política Energética, para que os blocos possam ser leiloados.
Dos 31 blocos da região, 14 blocos tinham manifestação válida somente até o dia 17 de fevereiro. Por isso, estes já estão automaticamente fora do leilão e terão de buscar, novamente, o mesmo documento.
Outros 17 blocos, porém, possuem a autorização com validade até o dia 18 de junho, ou seja, um dia após a data do leilão.
Dentro do MMA, o entendimento é que, ao revisar os estudos antigos, foi possível encontrar uma série de riscos envolvendo os blocos que ainda estão disponíveis. A reportagem teve acesso à nota técnica elaborada pela pasta. Nela, os técnicos relatam que os blocos fazem sobreposição com cinco áreas prioritárias para conservação, incluindo algumas de importância biológica extremamente alta.
Os blocos, segundo a nova análise ambiental, estão localizados sobre a “Cadeia Fernando de Noronha”, que abriga uma alta biodiversidade e recifes. Foram identificadas, ainda, 19 unidades de conservação marítima no raio de 100 km dos blocos, incluindo três de proteção integral, como a Reserva Biológica do Atol das Rocas. A região também é lar de 63 espécies sensíveis, sendo 13 classificadas como criticamente ameaçadas de extinção.
O novo entendimento do MMA é que, após a atualização dos estudos ambientais, ficaram claros os impactos ambientais graves e irreversíveis à região, tornando inviável a exploração de petróleo e gás nos blocos analisados.
À reportagem o MME confirmou que “solicitou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) um pedido de reconsideração em relação ao parecer do GTPEG/MMA” e que “aguarda a manifestação do MMA”. A pasta comandada por Marina Silva ainda avalia os novos argumentos, embora o entendimento técnico do ministério continue a apontar para a exclusão dos blocos.
A ANP (Agência Nacional de Petróleo) destacou o fato de que, para serem oferecidos em leilão, os blocos precisam estar respaldados pelas manifestações conjuntas de interesse ou pela Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). “Todos os 17 blocos da bacia Potiguar em oferta no Edital da Oferta Permanente de Concessão (OPC) estão sustentados por manifestação conjunta válida do MME e do MMA”, afirmou.
Segundo a ANP, o parecer do GTPeg subsidia a elaboração da manifestação conjunta das pastas, mas não determina exclusão ou inclusão de áreas pela ANP.
Para Vinicius Nora, gerente de operações do Instituto Arayara, a decisão do MME de manter a oferta dos blocos de petróleo na bacia Potiguar, ignorando a recomendação do MMA, expõe uma contradição grave dentro do próprio governo.
“São sinais de um problema sistêmico de menosprezo às recomendações de suas áreas técnicas. Enquanto o mundo discute a transição energética, a soberania independente das fontes fósseis e a proteção de ecossistemas estratégicos, o Brasil insiste em ampliar a exploração de combustíveis fósseis em áreas extremamente sensíveis, como a bacia Potiguar e a Foz do Amazonas”, diz Nora.