A deputada federal Talíria Petrone, líder da bancada do PSOL na Câmara, apresentou um projeto de lei que pune com suspensão das atividades todas as plataformas digitais que não mantiverem representação legal no Brasil.
Em resumo, todo e qualquer serviço digital – de uma pequena empresa que fornece antivírus ou sistema de VPN até uma grande rede social – seria obrigado a formalizar um representante, ainda que não direcione seus serviços a brasileiros. Basta que o serviço esteja acessível no país para que seja passível de banimento.
A justificativa da representante do PSOL é que a medida reforçaria a responsabilidade jurídica das empresas, no sentido de representá-las perante órgãos administrativos e judiciais e assumir a responsabilidade por eventuais multas decorrentes do descumprimento de obrigações legais.
No entanto, a proposta é vista com muitas ressalvas por especialistas em Direito Digital, que alertam que a medida criaria um ambiente digital arriscado para empresas, trazendo consequências econômicas ao país, e impactaria o modelo de neutralidade da rede e da internet livre.
Para Giuliano Miotto, advogado e diretor-presidente do Instituto Liberdade e Justiça, a eventual aprovação do projeto de lei abriria margem para um perigoso controle estatal sobre o que pode ou não funcionar no ambiente digital brasileiro.
“O efeito direto será ainda mais restrições à liberdade digital e aumento da interferência política sobre as plataformas. Na teoria, o alvo seriam as big techs, mas o impacto real recai sobre todo o ecossistema digital — inclusive startups, desenvolvedores independentes e serviços inovadores”, explica.
“O Brasil pode dar um passo rumo a um modelo autoritário de regulação da internet, semelhante ao de regimes que bloqueiam serviços à revelia de garantias constitucionais, como Rússia e China”, prossegue.
Punições abrangem empresas de todos os portes, do streaming ao delivery
Tecnicamente, o projeto de lei enquadra os provedores de aplicações de internet. Ou seja, todos os serviços, plataformas, sistemas e programas disponíveis a usuários ou empresas – desde plataformas de streaming a aplicativos de delivery, e-commerce, gestão e jogos online, de todos os portes.
Apesar disso, a justificativa da deputada do PSOL mostra que a proposta tem um alvo claro: as redes sociais. “No contexto atual, em que as plataformas digitais exercem influência direta sobre a comunicação, economia e relações sociais, torna-se indispensável assegurar que essas empresas mantenham estruturas formais de responsabilização e de atendimento, aptas a cumprir determinações legais e judiciais no país”, diz Talíria Petrone.
No Brasil, três plataformas de redes sociais (X, Telegram e Rumble) já foram bloqueadas ou ameaçadas de bloqueio por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com base na ausência de representante legal. O caso mais emblemático foi o bloqueio do X (antigo Twitter) no Brasil, em 2024, que durou mais de um mês e afetou milhões de usuários e empresas.
Em comum entre as três plataformas alvo das retaliações, todas possuem histórico de defesa da liberdade de expressão e se posicionam abertamente contra a censura.
Durante o bloqueio do X, a rede social Bluesky, que mantém modelo semelhante ao antigo Twitter, ganhou muitos adeptos no Brasil. A plataforma também não possuía representante legal no Brasil, mas Alexandre de Moraes não a interpelou – pelo contrário, o STF decidiu criar um perfil na rede na mesma semana em que o X foi suspenso.
“Não tenho dúvidas de que essa legislação, se aprovada, pode ser instrumentalizada para fins de censura seletiva”, diz Miotto. “Ao obrigar representação legal, o projeto de lei pode ser usado para perseguir empresas que não se alinham ao discurso dominante ou que não atendem a exigências de moderação sob medida. O risco é evidente: regulação se torna um instrumento de coerção política, e não de defesa do cidadão”, prossegue.
Especialista vê proposta do PSOL como “radicalismo”
O Marco Civil da Internet já impõe a obrigação de que provedores de aplicações que coletam, armazenam ou processam dados no Brasil devem ter representação legal no país, mas o texto não traz penalidades tão significativas como o banimento.
“A grande questão é a suspensão judicial pela mera existência, ainda que não tenha cometido infrações”, explica Ana Paula Canto de Lima, advogada especialista em Direito Digital. “Isso cria uma barreira de entrada para pequenas aplicações que não podem arcar com tais custos, podendo inclusive causar um desinteresse de novas empresas entrarem no mercado. Além disso, empresas podem deixar de operar no Brasil diante das dificuldades apresentadas”, prossegue.
Para a jurista, o texto da parlamentar do PSOL não apresenta critérios claros que justifiquem o bloqueio das aplicações no Brasil – medida que ela classificada como “radicalismo”. “A aprovação da proposta cria um ambiente digital hostil e vai na contramão do que se espera de globalização. Impacta, inclusive, o empreendedorismo, visto que todos os portes de aplicações seriam alcançados, causando uma restrição desproporcional ao acesso à informação”, afirma.
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A deputada federal Talíria Petrone, líder da bancada do PSOL na Câmara, apresentou um projeto de lei que pune com suspensão das atividades todas as plataformas digitais que não mantiverem representação legal no Brasil.Em resumo, todo e qualquer serviço digital – de uma pequena empresa que fornece antivírus ou sistema de VPN até uma grande rede social – seria obrigado a formalizar um representante, ainda que não direcione seus serviços a brasileiros. Basta que o serviço esteja acessível no país para que seja passível de banimento.A justificativa da representante do PSOL é que a medida reforçaria a responsabilidade jurídica das empresas, no sentido de representá-las perante órgãos administrativos e judiciais e assumir a responsabilidade por eventuais multas decorrentes do descumprimento de obrigações legais.No entanto, a proposta é vista com muitas ressalvas por especialistas em Direito Digital, que alertam que a medida criaria um ambiente digital arriscado para empresas, trazendo consequências econômicas ao país, e impactaria o modelo de neutralidade da rede e da internet livre.Para Giuliano Miotto, advogado e diretor-presidente do Instituto Liberdade e Justiça, a eventual aprovação do projeto de lei abriria margem para um perigoso controle estatal sobre o que pode ou não funcionar no ambiente digital brasileiro.“O efeito direto será ainda mais restrições à liberdade digital e aumento da interferência política sobre as plataformas. Na teoria, o alvo seriam as big techs, mas o impacto real recai sobre todo o ecossistema digital — inclusive startups, desenvolvedores independentes e serviços inovadores”, explica.“O Brasil pode dar um passo rumo a um modelo autoritário de regulação da internet, semelhante ao de regimes que bloqueiam serviços à revelia de garantias constitucionais, como Rússia e China”, prossegue.Punições abrangem empresas de todos os portes, do streaming ao deliveryTecnicamente, o projeto de lei enquadra os provedores de aplicações de internet. Ou seja, todos os serviços, plataformas, sistemas e programas disponíveis a usuários ou empresas – desde plataformas de streaming a aplicativos de delivery, e-commerce, gestão e jogos online, de todos os portes.Apesar disso, a justificativa da deputada do PSOL mostra que a proposta tem um alvo claro: as redes sociais. “No contexto atual, em que as plataformas digitais exercem influência direta sobre a comunicação, economia e relações sociais, torna-se indispensável assegurar que essas empresas mantenham estruturas formais de responsabilização e de atendimento, aptas a cumprir determinações legais e judiciais no país”, diz Talíria Petrone.No Brasil, três plataformas de redes sociais (X, Telegram e Rumble) já foram bloqueadas ou ameaçadas de bloqueio por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com base na ausência de representante legal. O caso mais emblemático foi o bloqueio do X (antigo Twitter) no Brasil, em 2024, que durou mais de um mês e afetou milhões de usuários e empresas.Em comum entre as três plataformas alvo das retaliações, todas possuem histórico de defesa da liberdade de expressão e se posicionam abertamente contra a censura.Durante o bloqueio do X, a rede social Bluesky, que mantém modelo semelhante ao antigo Twitter, ganhou muitos adeptos no Brasil. A plataforma também não possuía representante legal no Brasil, mas Alexandre de Moraes não a interpelou – pelo contrário, o STF decidiu criar um perfil na rede na mesma semana em que o X foi suspenso.“Não tenho dúvidas de que essa legislação, se aprovada, pode ser instrumentalizada para fins de censura seletiva”, diz Miotto. “Ao obrigar representação legal, o projeto de lei pode ser usado para perseguir empresas que não se alinham ao discurso dominante ou que não atendem a exigências de moderação sob medida. O risco é evidente: regulação se torna um instrumento de coerção política, e não de defesa do cidadão”, prossegue.Especialista vê proposta do PSOL como “radicalismo”O Marco Civil da Internet já impõe a obrigação de que provedores de aplicações que coletam, armazenam ou processam dados no Brasil devem ter representação legal no país, mas o texto não traz penalidades tão significativas como o banimento.“A grande questão é a suspensão judicial pela mera existência, ainda que não tenha cometido infrações”, explica Ana Paula Canto de Lima, advogada especialista em Direito Digital. “Isso cria uma barreira de entrada para pequenas aplicações que não podem arcar com tais custos, podendo inclusive causar um desinteresse de novas empresas entrarem no mercado. Além disso, empresas podem deixar de operar no Brasil diante das dificuldades apresentadas”, prossegue.Para a jurista, o texto da parlamentar do PSOL não apresenta critérios claros que justifiquem o bloqueio das aplicações no Brasil – medida que ela classificada como “radicalismo”. “A aprovação da proposta cria um ambiente digital hostil e vai na contramão do que se espera de globalização. Impacta, inclusive, o empreendedorismo, visto que todos os portes de aplicações seriam alcançados, causando uma restrição desproporcional ao acesso à informação”, afirma.Insegurança jurídica e afastamento de empresasComo apontado por fontes ouvidas pela reportagem, uma eventual aprovação desse projeto de lei poderia, em última instância, gerar um apagão seletivo de alguns serviços, impactando todos os usuários brasileiros das plataformas afetadas. O outro efeito colateral seria o desinteresse para empresas de atuarem no Brasil – inclusive com bloqueio dos serviços a usuários brasileiros por iniciativa própria para evitar penalizações.“Essa exigência criaria barreiras especialmente a pequenas e médias plataformas, o que também impacta a inovação e a concorrência, favorecendo grandes empresas que já operam no país e que estão alinhadas a interesses institucionais. Em vez de proteger o usuário, a proposta cria um ambiente de insegurança jurídica e desestímulo a novos investimentos em tecnologia, além de comprometer a diversidade digital”, explica Miotto.
Insegurança jurídica e afastamento de empresas
Como apontado por fontes ouvidas pela reportagem, uma eventual aprovação desse projeto de lei poderia, em última instância, gerar um apagão seletivo de alguns serviços, impactando todos os usuários brasileiros das plataformas afetadas. O outro efeito colateral seria o desinteresse para empresas de atuarem no Brasil – inclusive com bloqueio dos serviços a usuários brasileiros por iniciativa própria para evitar penalizações.
“Essa exigência criaria barreiras especialmente a pequenas e médias plataformas, o que também impacta a inovação e a concorrência, favorecendo grandes empresas que já operam no país e que estão alinhadas a interesses institucionais. Em vez de proteger o usuário, a proposta cria um ambiente de insegurança jurídica e desestímulo a novos investimentos em tecnologia, além de comprometer a diversidade digital”, explica Miotto.